A Antártida possui um enorme potencial para descobertas científicas e, desde o final do século XIX, é local de uma verdadeira jornada pelo conhecimento devido às suas condições climáticas e geográficas únicas, no continente estão bases de pesquisadores de cerca de 30 países, incluindo o Brasil. Nos últimos anos um mistério envolvendo neutrinos causou muitas perguntas por lá.
Esse mistério começou quando um equipamento da NASA chamado Anita detectou partículas muito discretas, chamadas de neutrinos, alcançando uma energia altíssima no céu antártico. O problema é que o Anita compartilha espaço com um outro detector de neutrinos, que é muito maior e abrangente, o IceCube, e ele, curiosamente, não observou nenhum outro neutrino de alta energia. Vamos entender essa história?
Neutrinos, IceCube e Anita
Neutrinos são partículas tão minúsculas que são as menores partículas conhecidas. Sua massa é 100 milhões de vezes menor que a do próton – uma das partículas que formam o núcleo dos átomos. Isso equivale a um bilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de um grama.
Os neutrinos estão por todos os lugares. Bilhões deles estão atravessando seu corpo e toda a Terra nesse momento, muito provavelmente emitidos pelo sol. Apesar de muito abundantes, essas partículas são bastante antissociais. Por serem muito pequenos, os neutrinos fazem suas viagens pelo Universo sem quase nunca interagir com nenhuma outra partícula. Isso os torna basicamente indetectáveis, é por isso que também são conhecidas como “partículas fantasmas”.
O conjunto de teorias da física que explica o mundo subatômico, prevê a existência de neutrinos de alta energia, essas partículas são mais raras, e também muito mais sociáveis. Isso porque, quanto maior a energia de um neutrino, maior a probabilidade dele interagir com algo em seu caminho.
Neutrino registrado no observatório IceCube, na Antártida – ICECUBE COLLABORATION
Para procurar esses viajantes cósmicos existem equipamentos específicos. O Observatório de Neutrinos IceCube é o principal deles, com mais de cinco mil sensores de luz enterrados no gelo da Antártida. Assim, quando um neutrino de alta energia atravessa a Terra, ele pode interagir com um átomo da Antártida e essa interação é pega pelos sensores. Qualquer neutrino pode interagir, mas os de alta energia são mais perceptíveis. Quando um neutrino de energia incomum atinge o IceCube, um sinal é disparado e astrônomos do mundo todo imediatamente apontam os telescópios para a região do espaço de onde ele veio.
IceCube Observatory – Foto de Sven Lidstrom, IceCube, NSF via New York Times
Outro aparelho capaz de detectar esses neutrinos de alta energia é da NASA, chamamos ele de Anita. Ele fica em um balão flutuante no céu gelado do continente e procura por neutrinos extremamente energéticos. Os aparelhos são capazes de gerar sinais de rádio e interagirem quando encontram algum átomo no gelo antártico.
É com esses dois detectores que inicia o nosso mistério: o Anita detectou, em três eventos diferentes, neutrinos de energia absurdamente alta saindo do solo da Antártida. O curioso é que quanto mais energéticos são os neutrinos, maior é a probabilidade de que eles interajam com outras partículas, e os detectados vinham de um ângulo onde, provavelmente, teriam atravessado toda a Terra sem parar.
Não é impossível que um neutrino super energético cruze o planeta despercebido. Mas para que um tivesse essa chance, muitos outros teriam que ter falhado na missão. E o IceCube não identificou nenhum outro neutrino de alta energia naquele momento. Também não houve conhecimento de fenômeno cósmico (como um buraco negro supermassivo) que poderia ter originado os neutrinos. Anteriormente, os cientistas haviam descoberto neutrinos vindos do sol e de restos de supernovas próximas, mas nenhuma dessas fontes é forte o suficiente para lançar partículas tão energéticas na direção da Terra. Logo, como o Anita detectou um neutrino sem que o IceCube detectasse dezenas de outros que pertenceriam ao mesmo “lote” com características semelhantes?
Pode ter sido sorte que o Anita detectou um neutrino em um milhão, mas a chance disso ter acontecido é tão pequena que os pesquisadores do IceCube começaram a especular se essa partícula de alta energia é mesmo um neutrino. Um artigo científico com vários autores analisando o caso está disponível aqui, ainda em estágio de pré-publicação (isto é: não foi revisado por outros cientistas)
As detecções do Anita não pareciam fazer sentido para as regras da Física atual. Físicos do mundo todo começaram a estudar o acontecido até que, em 22 de setembro de 2017, um único neutrino viajando a praticamente a velocidade da luz atravessou a Terra e passou pelos detectores do IceCube. Tinha aproximadamente 290 TeV de energia. O impacto provocou um alerta notificando os astrônomos caçadores de neutrinos.
Quando os cientistas rastrearam o caminho do neutrino, chegaram a um ponto no espaço próximo a constelação de Orion, onde simultaneamente vários telescópios registraram um grande clarão. Naquele pedaço do céu estava um objeto grande e distante chamado blazar, que despertou e começou a emitir partículas pelo espaço. Isso incluiu uma grande quantidade de raios gama, que foram detectados pelo telescópio Fermi Gamma-Ray.
Os raios gama vieram de uma galáxia gigante chamada TXS 0506+056, onde há um buraco negro colossal. Enquanto engole tudo ao seu redor, o buraco negro produz partículas extremamente energéticas que estão exatamente na direção da Terra.
Evidências sugerem que TXS 0506+056 é o responsável por atirar os neutrinos em direção a Terra, o que significa que os cientistas descobriram pelo menos uma fonte dessas partículas. A descoberta é um passo na direção de encontrar a origem dos raios cósmicos, um dos maiores quebra-cabeças da astrofísica.
Conheça o Blazar TXS 0506+056:
Apesar de ser uma das prováveis fontes de todos os raios cósmicos, a caçada de outras fontes dessas partículas energéticas continua, galáxias em formação, supernovas interagindo, explosões de raios gama de baixa luminosidade, galáxias de rádio nos centros aglomerados, entre outras variedades de fontes astrofísicas que poderiam contribuir para o fluxo dos neutrinos. Por enquanto, nos resta teorizar, mas uma coisa é certa: os neutrinos captados na Antártida abrem uma nova janela à astronomia e ao universo.